CHRISTIAAN OYENS: November 2010

Wednesday, November 10, 2010

“TWATTER”, AUSÊNCIA DE CONTEÚDO E AS MEDIANAS SOCIAIS

Atualmente você lançar uma banda de rock que não expresse rigorosamente nada é uma boa coisa. É o business as usual da nova anti-revolução cultural. Veja a banda Restart, vencedora na categoria revelação (!!) dos VMB Awards 2010 da MTV Brasil. Os caras não tocam bem, as musicas não dizem nada musicalmente (os Sex Pistols não sabiam tocar e o grupo foi um dos mais influentes da década de ’70), não sabem escrever (“E não vou mudar e nem tentar entender/O que aconteceu ou vai acontecer/Nossa história teve um fim”) e sejamos francos, eles são uma cópia da fraca, mas pelo menos original NXZero a esquerda.

A palavra revolução está definida no Aurélio como: “transformação radical dos conceitos artísticos ou científicos dominantes numa determinada época”. Qualquer época na história foi marcada por alguma revolução tecnológica e artística. Alguma revolução de ativismo sócio-político também. Qualquer época, menos a nossa. Quer dizer, revolução tecnológica TEM! Evidentemente, o telefone celular, a Web e o advento das mídias sociais (sendo que no Twitter 71% dos posts são ignorados e o Facebook, desde a sua criação em 2004, vem reformulando a sua política de privacidade a cada 4 meses!). Mas peraí, se o Fakebook, Twatter, Yorkurte e ShiteSpace aglomeram milhões e milhões de usuários em seus espaços, como explicar a completa ausência de qualquer forma de ativismo ou engajamento cultural presente no comportamento dos mesmos??

Bom, em primeiro lugar, para muitos eu estou enganado. O sociólogo Mark Granovetter observou que não são os nossos amigos, mas sim nossos conhecidos que nos proporcionam a maior fonte de novas idéias e informações e que a Internet nos permite explorar todo o potencial destas conexões distantes com máxima eficiência. Segundo ele, “Laços fracos são fundamentais para a difusão de inovação e para a colaboração interdisciplinar”. O problema é que todas as pesquisas apontam que laços fracos raramente levam as pessoas a qualquer ativismo de alto risco.

Na primavera de 2009, quando 10 mil pessoas tomaram as ruas de Moldávia em protesto contra o governo comunista, esta passeata ficou conhecida como a “Twitter revolution”. O site supostamente teria sido o principal recurso usado para a divulgação da passeata. Alguns meses depois o site também ganharia destaque na imprensa como o responsável pela organização da passeata estudantil em Teerã. Mark Pfeifle, na época um membro da comitiva de segurança do governo Bush chegou a sugerir que o Twitter recebesse o Prêmio Nobel da Paz (?!). Se antes os ativistas (como Martin Luther King ou Ghandi) eram conhecidos pelas suas causas agora as ferramentas é que seriam mais importantes.

Analisando estes eventos com um pouco menos de parcialidade frente ao uso destas ferramentas chegamos a uma conclusão bem diferente. Um dos críticos mais persistentes em relação às mídias sociais, o professor da universidade de Stanford, Evgeny Morozov (endereço de seu excelente blog sobre mídias sociais e jornalismo: http://evgenymorozov.com/blog/), apontou para o fato que em Moldova existem pouquíssimos usuários do Twitter, portanto este site não poderia jamais ter tido grande influência em relação a passeata. Mas e o Irã? Em seu excelente artigo, “The Twitter Devolution,” para a revista Foreign Policy (http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/06/07/the_twitter_revolution_that_wasnt ), a jornalista Golnaz Esfandiari afirma que não houve nenhum “Twitter revolution” em Teerã. “Jornalistas ocidentais que não queriam se dar o trabalho de entrevistarem as pessoas nas ruas de Teerã, simplesmente acompanhavam os tweets com os tags #iranelections.” Ela continua, “No meio disso tudo ninguém parou para perguntar por quê que as pessoas tentando coordenar os protestos no Irã estariam escrevendo em qualquer outra língua que não fosse o Farsi.”

Em seu artigo, “Small Change – The Truth About The Twitter Revolution”, publicado recentemente na revista The New Yorker (4 de Outubro, 2010), Malcolm Gladwell (escritor do esplêndido bestseller “Blink - Decidir num Piscar de Olhos”) com uma pesquisa minuciosa, nos demonstra como todos os grandes movimentos revolucionários foram estruturados em torno de hierarquias. Os sites de mídias sociais não. “Os entusiastas das mídias sociais não conseguem distinguir entre amizades virtuais e o tipo de amizade que provoca a dedicação e o comprometimento necessário para o ativismo revolucionário. Sites de mídias sociais são redes e redes são o extremo oposto em estrutura e caráter de como funciona uma hierarquia.” Diz Gladwell.

Há inúmeras coisas que redes não conseguem fazer com competência. Companhias de automóveis usam de forma sensata suas redes para a distribuição de seus veículos, mas não para o desenho dos mesmos. Ninguém acredita que uma filosofia de design coerente seria melhor aproveitada por um sistema de organização esparramado e sem liderança. Como as redes não possuem uma estrutura de liderança centralizada ou regras definidas de autoridade elas raramente conseguem atingir suas metas e chegar a um consenso. Elas não “pensam” de forma estratégica e são cronicamente sujeitas a erros e conflitos. Como tomar decisões difíceis sobre táticas e estratégias quando todos têm o mesmo direito de opinar?

Em seu artigo, Gladwell conclui que os sites de mídias sociais por dependerem de laços fracos, não abrigam pessoas propensas ao ativismo de alto risco. Caetano e Chico desafiaram a ditadura tanto com as suas posturas artísticas quanto políticas. Em 1913, ao ser rigorosamente vaiado na estréia da sua obra prima Le Sacre Du Printemps em Paris, Igor Stravinsky simplesmente pediu licença e saiu da platéia. Anos mais tarde ele disse, “Eu sabia o valor da obra que tinha escrito, a platéia simplesmente não estava preparada para entendê-la. Era algo muito inovador para a época.” O verdadeiro artista é aquele que abraça as situações de risco e que não se abala com as opiniões alheias. Ele entende instintivamente o valor e o poder da transgressão. Ele também entende o seu lugar na complexa escala hierárquica artística (Stavinsky tinha estudado durante anos composição e orquestração com Rimsky-Korsakov antes de escrever Le Sacre).

No meio musical todos sabemos que hoje o artista (infelizmente) é responsável pela sua própria divulgação. Os fenômenos Mallu Magalhães e Arctic Monkeys nos demonstraram o inestimável poder das mídias sociais. Só que a questão que ninguém está abordando é que estes dois trabalhos são desprovidos de conteúdo, pois justamente estão antenados com uma geração que não sabe como se definir. O engajamento folk contestador de Bob Dylan é diretamente proporcional aos sacrifícios de uma geração que enfrentou o xilindró antes de lutar numa guerra considerada imoral e injusta. Como engolir uma banda como Restart que se diz roqueira, mas não conhece Raul, Renato ou Cazuza, muito menos a relação de hierarquia tão delineada entre todos nós que aceitamos estar aqui graças aos esforços daqueles que nos antecederam?